“BEAT CULTURE” –
A ARTE COMO VIDA VIVIDA
Em alguns momentos da História da Arte, somos confrontados com designações aparentemente, vagas de sentido, pela perplexidade da imediatez sonora da palavra. Contudo, numa análise mais atenta, percebemos as razões dessas “designações”, diria, da contingência espantosa que uma só palavra pode abarcar. Falo mais precisamente, e recuando um pouco atrás até ao movimento “Dada”, passando pela “Op Art”, pela “Pop Art”, indo até ao que mais interessa, ao conceito de “Beat”. Neste caso a palavra “Beat”, foi forjada em 1944 por Jack Kerouac e William Burrougths, sendo que a sua confirmação no vocabulário artístico aparece pela primeira vez em 1952 num artigo do New York Times de John Clellon: This is the Beat Generation. Esta é a geração que viria a abrir caminho aos movimentos contestatários do Maio de “68”, do movimento Hippy, ou feministas
Numa tentativa de definir “Beat”, a palavra significa, à partida pancada, golpe, pulsão, batuque, não divergindo muito daquilo que no âmago das Vanguardas Históricas, a palavra “Choque”, significaria à priori. Contudo, “Beat”, parece designar muito mais do que isso – é portadora de uma ideologia diferente, na consciência de que “vale tudo”, como sintoma de um enorme vazio intelectual, de um enorme fosso entre a promessa americana e a realidade que daí se extrai – “Beat” é, sobretudo, um estado de espírito “cool” que pretende fazer da arte, vida vivida nos becos, nos cafés, nas caves dos subúrbios, enfim na marginalidade física e psíquica de tudo o que comporta o ser humano. Neste sentido, corporiza o desejo de criação de uma sociedade nova, remetida a experiências no limite, e que os fenómenos artísticos poderiam servir de catarsis com a valorização do imediatismo, do espontâneo, em contraponto à norma academizante.
Desiludidos com o Progresso da Ciência e da Tecnocracia Ocidental, a geração americana dos anos 50 ficou, efectivamente, conhecida como “The Beat Generation”, nascida na Depressão, crescida na Guerra, amadurecida à sombra do Holocausto Nuclear. A primeira reacção foi contra as leis sociais e a favor da criação das suas próprias normas, independentes de toda e qualquer instituição civil ou militar. Afirmando-se como rebeldes e moralmente perigosos, opõe-se veementemente ao consumismo e à conformidade, pretendendo, em contrapartida ideias vindas de uma filosofia utópica – o artista como líder da sociedade, o instituidor de valores novos surgidos de uma amálgama de misticismos, quer sejam eles religiosas - Budismo Zen e catolicismo -, artísticas com especial ênfase em Pollock, que desde o início foi o artista eleito - ou artifícios para a percepção de novos mundos marginais, sub-culturas tribais num contexto urbano, onde impera o Jazz, que viria a ser substituído, posteriormente, nos anos 90 pelas “Raves” as “Acid House” e apreendidas através das drogas como o ecstasy, que se imbricam numa área absolutamente não-tecnológica, como uma via aternativa à realidade - “Do it Yourself Culture”.
Partindo da literatura, nomeadamente da poesia, o movimento “Beat” transporta os seus ideais para rua, para a quotidianidade , com o objectivo de se libertarem do “amorfo” das Academias, dos Museus, de modo a usufruírem de uma vida plena de realidade e de sentido – Arte é vida que se pode viver, como forma de uma apelação antecipada ao Nouveau Réalisme, a partir de uma realidade proveniente do detrito, do resto, catalizadores de novas formas de expressão nas arte visuais em artistas como Rauschenberg e Jasper Jones e, posteriormente, de Dine, Claes Oldenburg, Rosenquist, Segal, que viriam a ser os “pais” mais imediatos da “Pop Art”
Hoje os “Beats” são reconhecidos como “ícones” da contra-cultura, fazendo já parte do canon Americano. O paradoxo deste reconhecimento reside no facto deste grupo ter-se historicizado e categorizado. Como podem eles agora contar a história da ideologia anarquista, de rebelião contra as instituições? Como podem eles reivindicar a efemeridade da sua vida intensa, real no momento, mas sem perspectivas de futuro, nem de passado? O que é certo é que Lisa Phillips diz merecerem o reconhecimento da história, do mesmo modo como merecem estar representados nas instituições culturais, mas como artistas que tiveram a virtude de quebrar com as regras que desafiam as nossas expectativas, daquilo que a cultura significa. Mas tiveram ao mesmo tempo o mérito de nos deixar um nome oficialmente por definir...
AUTORA: ASSUNÇÃO MELO
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