terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

UTOPIA


Desconhecida dos Gregos, Utopia foi uma palavra forjada no século XVI pelo escritor Inglês Thomas More, para figurar no livro, daquela que viria a ser a sua grande obra. Depois disso, a palavra e o conceito de Utopia tem sido amplamente utilizado, quer no campo literário, social, político e, sobretudo no campo, que mais nos importa – As Artes – quer sejam elas do âmbito pictórico, escultórico ou arquitectural.
Segundo a enciclopédia Universalis, a palavra Utopia quer significar nenhum lugar – um lugar que não está em lugar nenhum, uma presença ausente, uma realidade irreal, uma nostalgia, uma alteridade sem identificação, embora na imaginação de More, a ilha da Utopia existisse numa realidade física bem presente e com uma história, com as suas próprias leis e governos. Por outras palavras: Utopia será um projecto imaginário de uma realidade outra, ou de uma sociedade outra, com leis e história próprias de um outro qualquer lugar.
O conceito que intitula a obra de More é, pela sua constante actualidade, um conceito que se foi adaptando às diferentes necessidades de imaginação do homem, bem como designou algo espiritual, por vezes misterioso e complexo. Deste modo, desde 1516 tem sido aplicado a mitos literários, a Novas Atlantidas, passando pelas Viagens de Gulliver, até Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo. Mais recentemente tem sido aplicado no domínio da arte, não só nas vanguardas artísticas ditas históricas, mas, e sobretudo, vem abrir algumas portas do complexo conceito de Pós Modernidade, a que Ann Kaplan na introdução do livro O Mal Estar no Pós Modernismo, teorias, práticas - refere-se a pós modernismo utópico
O pós modernismo utópico implica (segundo a mesma autora) um movimento da cultura e dos textos para além de categorias binárias opressivas, e que não pode ser imaginado sem os contributos fundamentais de alguns pensadores ocidentais como Derrida, Lacan, Roland Barthes, Cixous, entre outros. É neste entendimento de tradições filosóficas, metafísicas e literárias ocidentais que vai ser questionado o pós –estruturalismo, pela desconstrução que aquele termo implica, sendo que, o mesmo vai acontecer ao termo pós modernismo, ou seja: assinala o momento das teorias anteriores mais o afastamento delas mesmas. Este paradoxo remete-nos para um lugar que está fora da história (logo fora do tempo e do espaço) que se materializa em lugar nenhum e constitui uma espécie de alteridade imaginária, no sentido da oportunidade de evasão da autoridade moral, (que tem como campo de execução por excelência, a própria história) sendo que, ao mesmo tempo nos limita, no sentido que ao ser lugar nenhum, não deixa de ser um outro lugar com leis que lhe são muito próprias e que é preciso conhecer para aceder.
Françoise Choay, do mesmo modo propõe um modelo de organização do espaço, susceptível de ser realizado e que possui a capacidade de transformar o mundo natural, instaurando outros espaços. No livro, que refiro em nota-de-rodapé, a utopia prende-se com o problema do espaço, sobretudo arquitectónico e urbanístico, e que em termos kantianos, constitui a condição da experiência, sendo que o espaço utópico se pode dividir em dois: portrait e modèle . O primeiro prende-se com uma individualidade única possuída de particularidades que lhe são próprias à geografia física e à história, o segundo, prende-se com questões do foro humano e de um estrito sistemas de normas culturais. Segundo esta divisão, o sistema utopiano permite colocar cada pessoa num lugar sem restrição. Contudo, isto implica uma limitação, no sentido em que as circunstâncias e os espaços infinitamente diferentes estão subjugados à condição de perdurar – daí que se verifique uma limitação deste conceito de utopia uma vez que ele se vai fechar sobre si próprio – A Utopia tem como modelo a Anti-Inglaterra. Se podemos definir Inglaterra como espaço físico e geográfico no seu contrário, do mesmo modo podemos falar de utopia como espaço modelo que está confinado a ser anti-espaço, embora esse espaço deva ser compreendido em termos platónicos como um espaço significante. Assim, o estado da Utopia (stade de l’ utupie) tal como o da República podem ser conotados como um estado de espelho social (stade du miroir social) em que o herói fundador Utopos é, necessariamente, um arquitecto, que faz a sua ilha, separando-a do istmo que a ligava ao continente de Abraxa. Do mesmo modo que a Utopia, as vanguardas vão fazer o “esforço de Utopos” – vão separar-se do “continente” que é a História e de toda a tradição opressora, no momento em proclamam a sua libertação. É, neste sentido que, o conceito de Thomas More ganha modernidade ao colocar, continuamente, problemas à sociedades, sobretudo ocidentais, permanecendo cheio de vitalidade, fazendo parte integrante do progresso que é o futuro. Futuro esse que, faz “tábua rasa” de todos os valores e, ao retirarem tudo, ficam com aquilo que Jean Baudrillard chama de resto . A Utopia é, no sentido ideológico e não físico do termo, a meu ver, todo o resto que fica, depois de se lhe retirar tudo.

AUTORA: ASSUNÇÃO MELO

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