É muito provável que sem exagero possamos dizer que a colecção de 100 obras de arte compradas pela Fundação Calouste Gulbenkian, entre 1960 - 1966 seja uma das mais importantes colecções de Pop Art Inglesa do mundo inteiro. Mais do que um acervo, este conjunto de obras é fruto da vontade de um alargamento de património artístico, conhecimento da comissão de selecção e de meios económicos disponíveis, de modo a constituir efectivamente uma colecção. Em suma, é feita num tempo e num espaço coerentes que situam a entrada de Portugal no panorama da contemporaneidade.
O esclarecimento da Comissão de Artes Plásticas do British Concil permitiu o encargo da selecção de 33 artistas, entre eles: Alan Davie, William Scott, Joe Tilson, David Hockney, Philip King, Peter Blake, Allen Jones, etc..
Exposta pela primeira vez em Portugal em 1971, interessa-nos, antes de mais, interrogar-nos da importância desta colecção para Portugal e as suas consequências mais imediatas. Para responder a esta última questão, as 100 obras de Pop Art Inglesa representam uma abertura de modernidade relevante; o corte com o passado recente dos nossos “bolseiros” sistemáticos de tradição parisiense foi um facto, para além de ter representado uma fobia ao abstracccionismo impregnado de falsas boas intenções como foi demonstrado no I Salão de Arte Abstracta de 1954. As consequências de facto não se fizeram esperar nesta conjuntura de eminente atraso votivo da arte portuguesa, no seguimento de uma linha rejeitada desde Amadeo.
Quanto à importância desta colecção, para além de todo o mérito de ter sido comprada “a quente”, em cima do acontecimento, permitiu de imediato a deslocação de um centro artístico na senda da École de Paris – ou seja muitos dos nossos artistas acudiram ao chamamento de todo um conjunto de vozes que apelavam a uma “nova figuração”. Com efeito, João Vieira, Menez, Angelo de Sousa, Paula Rego vão, a partir de 1964, responder a uma vocação desajustada ao peso da tradição impunemente chamada “Paris” – partem para Inglaterra, dando corpo a um consenso artístico da imaginação figurada a partir dos ícones quotidianos, vivenciais de um movimento sócio cultural de índole populista carregado de um feiticismo urbano da sociedade de consumo saída do depauperamento social do establisment.
Ao reflectir a sociedade pequeno-burguesa, (e não a “massa” informe condicente com a sociedade contemporânea) reflectiu os seus objectos mais prementes e imediatos: o automóvel, a televisão, o frigorífico... enfim poderíamos dizer de todo um inconsciente colectivo que pode igualmente remeter a ideias, a saudosismos entre o Kitsch e a afirmação do desejo, com é exemplo Love Wall de Peter Blake que faz uma espécie de inventário da iconografia popular do amor.
A entrada da Pop Inglesa em Portugal representa a possibilidade de mutação de um momento vivêncial de uma sociedade em transformação. Propondo algo de altamente responsável, como a afirmação da classe média, move-se numa continuidade e numa ruptura permanentes, mantendo-se, no entanto, eternos fiéis a uma cultura e a um gosto tradicionais acordados com o próprio tempo histórico.
ARTORA: ASSUNÇÃO MELO
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