
ENGENHEIRO DO TEMPO PERDIDO
Marcel Duchamp nasceu a 28 de Julho de 1887, em Blainville, no seio de uma família burguesa, que lhe incutiu, desde cedo, uma educação artística, livre, mas ao mesmo tempo convencional. Nesse ambiente familiar descontraído, Duchamp dava os seus primeiros passos como artista a observar os seus irmãos, que se tornariam pintores consagrados, ou a observar os cobres gravados do avô. Contudo a experiência prática que mais lhe marcaria no processo de uma carreira artística, deve-se ao facto de em 1905 ter feito um estágio numa oficina de impressão de Ruão, que lhe daria a possibilidade, antes de mais, de escapar a 2 anos de serviço militar. Este facto, teve um efeito marcante na sua vida, pois desde então passou a ver o “artista” como um mero artesão e a “inspiração” como fruto de uma mera técnica. Para mais, o facto de ter sido reprovado no exame de admissão da Escola de Belas Artes, abriu uma porta ao seu sentido crítico, de modo a negar toda a arte e todo o sentido dela. Anti arte e anti sentido, são termos que ficariam ligados a Duchamp, para o resto da vida.
Pierre Cabanne, em 1966 realiza uma série de entrevistas, no ateliê do artista em Neuilly, das quais viriam a tornar-se uma referência fundamental, diria mesmo a chave que daria acesso à sua obra e à sua vida. Segundo Cabanne, Duchamp é considerado o inventor mais fascinante e mais desconcertante da arte contemporânea. De facto, uma afirmação dessas não poderia ser dita ao acaso, se a sua obra imensa não justificasse uma posição original, cuja intenção seria provocar escândalo. Mais do que isso, todo o artista que nos inícios do século XX não tivesse uma forte base teórica, seria eliminado á partida. Duchamp não tinha, de facto essa sustentação, nem era uma preocupação para ele. O seu objectivo era viver a vida o mais descontraidamente possível, ter tempo para dedicar-se ao xadrez que tanto amava e, sobretudo, não estar preocupado com a opinião do público, nem dos “colegas”.
Duchamp tem a sua experiência como pintor em 1902, tinha ele 15 anos de idade. Église à Blainville, invoca uma clara influência impressionista que viria progressivamente a ser ultrapassada pela corrente fauvista e cubista dos anos de 1906 a 1910. Contudo, foi a descoberta de Matisse que viria a ser determinante, uma vez que nas conversas de café entre artistas o pintor mais comentado seria Manet.
Em 1912, pintaria a obra que lançaria a sua carreira como um artista reconhecido mundialmente: Nu descendant un escalier, fixaria a ideia de criar uma imagem estática do movimento. Esta obra, pelo seu caracter peculiar foi recusada no “Salão dos Independentes”, recusa esta que fez de Duchamp um homem que aprendeu a contar consigo próprio, libertando-se do passado (no sentido pessoal da palavra ) sendo que a partir de então viria a ser conhecido como “o celibatário”. No ano seguinte a obra viria a ser exposta no Armory Show, a convite de Walter Pach, tendo conquistado grande sucesso entre a crítica e o público americano. É também do ano de 1913 que Duchamp realiza os primeiros estudos para o Grand Verre onde verificamos uma preocupação técnica e artesanal, não sendo mais que uma projecção da 4ª dimensão, recusando, por isso, todas as implicações cerebrais e teóricas deste “grande vidro.”
É possível que na obra anteriormente referida se possa encontrar um prenuncio para os Ready made, que viriam a surgir em 1915 com In advance of the broken arm, que mais não era que uma simples pá da neve. No ano seguinte, sob o pseudónimo de R. Mutt, Duchamp enviaria para exposição do Grupo dos Independentes um “urinol”, entitulado La fontaine, que pelo simples facto de não poder ser recusado, ficou literalmente escondido durante todos os dias da exposição atrás de um dos painéis.
A sua preocupação em dar títulos provocantes, humorísticos ou que simplesmente fizessem pensar, é o resultado de um interesse linguistico constante. L.H.O.O.Q. de 1919 é um exemplo bem conseguido de toda a negação de sentido histórico na arte onde o título humorístico, se refere ao ícone Ocidental, cuja “proeza”, consistiria em acrescentar à Gioconda, uns bigodes e uma barbicha.
Para concluir, Duchamp desde o início da sua carreira tomou uma atitude meramente “surrealista” (no sentido lato do termo), servindo-se do óbvio (que não era assim tão obvio) e do absurdo para chocar. Chocar toda uma sociedade académica, e não só, que lhe aguçaram o sentido do prefixo anti. Esta é uma forma de estar muito consciente, que provém de uma curiosidade constante, acabando por tornar-se fruto de um pensamento filosófico. Uma lição de arte e, sobretudo, de vida. Gosto mais de respirar do que trabalhar é uma frase da sua autoria que implica esse sentido de prioridades, de quem passa pela vida como um flanêur, sobretudo de um homem que aproveitou cada minuto, e cuja palavra de ordem seria, a meu ver, divertir-se.
AUTORA: ASSUNÇÃO MELO
Sem comentários:
Enviar um comentário